terça-feira, 18 de setembro de 2012

O casal inserido no contexto da parábola do Bom Samaritano

Antes de tudo é importante notar que Jesus Cristo conta esta parábola para responder à pergunta sobre “Quem é o meu próximo”. Tal pergunta foi feita a partir de um breve diálogo travado com Jesus e o doutor da lei, quando este pergunta primeiramente a Jesus o que deve fazer para possuir a vida eterna. Ao que Jesus o questiona sobre o que está escrito na lei. O doutor da lei responde: “Amarás o Senhor teu Deus, de todo o te coração, de toda a tua alma e com todas as tuas forças, e ao próximo como a si mesmo”. 

A parábola do Bom Samaritano está, portanto, inserida dentro de um contexto no qual Jesus fala sobre a vida eterna e sobre o próximo. A partir de uma visão escatológica, podemos dizer que um conceito está profundamente ligado a outro. A Vida Eterna é muito mais do que uma vida post mortem, mas é a graça de participarmos plenamente da glória de Deus. E esta vida eterna está condicionada ao modo como eu me relaciono com o Deus, ou melhor, ao modo a partir do qual eu reconheço Deus no meu próximo. Como nos diz o célebre São João da Cruz: “No ocaso da vida, seremos julgados pelo amor”. É o modo como eu amo e sou inserido na vida do outro, que me torna partícipe da vida eterna. 

A parábola que Jesus nos conta fala de um homem, sem identidade, mas provavelmente Judeu, que descia de Jerusalém para Jericó. À primeira vista, é uma simples caminhada de mais ou menos 30 Km, se não notarmos que ele está fazendo um movimento de descida. Jerusalém é a cidade santa, capital do reino de Judá, ao sul. A cidade de Jerusalém representava as coisas espirituais, as coisas de Deus, era a sede do Templo de Salomão. Jericó era um grande polo comercial, a cidade das trocas, do ouro, da usurpação. Era uma cidade que se encontrava cerca de 300 metros abaixo do nível do mar. Ela representava as coisas do mundo. Jerusalém representa as coisas do alto e Jericó representa as coisas de baixo. 

O homem sem identidade cai nas mãos de ladrões que lhe roubam tudo e o deixam quase morto. O homem é desprovido totalmente de sua dignidade, está quase morto. Eis que pelo caminho passa, também descendo de Jerusalém para Jericó, um sacerdote e um levita. Ambos são homens conhecidos, estudados e conhecedores da lei. A lei judaica proibia que se tocasse qualquer pessoa ferida ou morta, sob a condição de se tornar também impuro. Talvez ambos estivessem voltando do Templo, e por isso estavam purificados e por isso, com medo de se tornarem impuros. Também podia ser que temessem a mesma sorte que aquele pobre homem, uma vez que aquela estrada era um tanto perigosa, por conta do comercio e das riquezas presentes em Jericó. O apego à lei fez com que nem o sacerdote e tampouco o levita usassem de misericórdia. 

A lei quando deixa de ser expressão de garantia de paz, justiça, liberdade e vida, ela perde a sua essência. Isto era muito corrente na época de Jesus Cristo: as pessoas obedeciam às leis sem saber o contexto histórico, e com isto, muitas vezes não compreendiam o porquê de determinadas leis que eram obedecidas. Obedeciam por obedecer. A experiência de Deus que o sacerdote e o levita faziam era sufocada pela obediência cega à lei, e com isso não dava vazão à misericórdia e à caridade. Ambos passaram adiante. 

Jesus Cristo tinha a sublime missão de estabelecer o Reino de seu Pai! A salvação a nós concedida está profundamente relacionada com o modo a partir do qual acolhemos e nos inserimos no Reino de Deus. No exercício de sua missão, Jesus quebrou muitos paradigmas de sua época. Os seus atos e ensinamentos desafiavam costumes e tradições de sua época. 

Em sua história Jesus coloca um samaritano, que passa pelo caminho e vendo o homem quase morto, se compadece dele e o ajuda. Ao invés da nobre atitude partir de um sacerdote ou de um levita judeu, parte de um samaritano. Alguém pertencente a um povo que os judeus abominavam. A questão sobre quem era o próximo era objeto de constantes discussões entre os mestres de Israel na época de Jesus. Havia opiniões das mais abrangentes. Porém, havia um consenso entre eles no sentido de excluir da categoria “próximo” os inimigos. O “próximo” era apenas o membro do Povo de Deus. 

Vamos entender as origens históricas da relação entre os judeus e samaritanos. Trata-se de dois grupos cujas vicissitudes históricas tinham separado e cujas relações eram bastante conflituosas no tempo de Jesus. Historicamente, a divisão começou quando, em 721 a. C., a Samaria foi tomada pelos assírios e foi deportada cerca de 4% da população. Na Samaria se instalaram colonos assírios que se misturaram com a população local. Para os Judeus, os habitantes da Samaria começaram a se paganizar. A relação entre as duas comunidades de tornou ainda mais hostil quando, após a volta do exílio da Babilônia, os judeus recusaram a ajuda dos samaritanos para a reconstrução do Templo de Jerusalém no ano de 437 a. C. e denunciaram os casamentos mistos. Com isso, os judeus tiveram que enfrentar a oposição dos samaritanos na reconstrução da cidade. No ano de 333 um novo acontecimento foi a gota d´água: os samaritanos construíram um templo no monte Garizim, que foi posteriormente destruído por João Hircano e, 128 a. C. mais tarde, as desavenças continuaram: a mais famosa aconteceu já no tempo de Jesus, quando os samaritanos profanaram com ossos o templo de Jerusalém. 

Os judeus desprezavam os samaritanos, por serem uma mistura de sangue israelita com estrangeiros e consideravam-nos hereges em relação à pureza da fé javista; enquanto que os samaritanos pagavam aos judeus com um desprezo semelhante. 

Na parábola, o próximo do homem que fora assaltado é o samaritano, por ter usado de misericórdia. Da mesma forma, que o próximo do samaritano foi aquele homem não identificado semi-morto. O convite de Jesus, para fazermos o mesmo, vai muito além do convite ao exercício da misericórdia e da caridade. Somos chamados por Jesus a sairmos de nós mesmos para sermos sempre mais configurados àquilo para que fomos chamados: sermos luz para os irmãos, sermos o próximo do outro! 

Muitas vezes nos comportamos como o sacerdote e/ou o Levita, apegados à lei e ao culto, não dão vazão à caridade e não respondem às necessidades dos irmãos. Todavia, também somos chamados a ser como o samaritano que, tendo feito a experiência de Deus e por isso, tocado e transformado por este amo, foi capaz de ir em socorro do próximo! 

Queridos casais, vocês são chamados por Jesus Cristo a, na relação a dois, um ser o próximo do outro. Da mesma forma que o samaritano foi o próximo daquele homem, e vice-versa. Vocês são sujeitos ativos no processo de salvação um do outro. 

PARA INSERÇÃO NA VIDA DO CASAL 

- Jerusalém representa as coisas do alto, a presença de Deus. Enquanto que Jericó representa a perdição, o perigo. Muitas vezes em nossas vidas somos tentados a descer este caminho, e com isso, somos muitas vezes despidos de nossa dignidade humana e ficamos meio mortos pelo caminho. Quando deixamos a desejar no nosso relacionamento matrimonial, é como se descêssemos de Jerusalém para Jericó. Têm sido frequente na relação conjugal, tais descidas de Jerusalém para Jericó? 

- Enquanto casais das Equipes de Nossa Senhora, vocês estão comprometidos com o sacramento do matrimônio e, no entanto, todos têm amigos e/ou familiares cujas vidas seguiram outro rumo (uniões de fato, segunda união, divorciados). Qual é a vossa posição diante de casais que estão ao redor, e em algum momento da vida fizeram este caminho de descida de Jerusalém para Jericó? O que fazer para que a afirmação do compromisso de vocês com o sacramento não exclua milhões de pessoas cuja vida tomou outro rumo? 

- O samaritano deixou a segurança de Jerusalém para se aventurar no mundo violento, no qual entra um homem que foi deixado como morto. A missão de vocês, enquanto casal cristão e testemunho do sacramento do matrimônio, os leva a um mundo violento, onde encontrarão muitas pessoas feridas. De que forma o vosso matrimônio está sendo também um movimento para fora, ou seja, um sair de si mesmos para ir ao encontro do outro? 

Pe. Samuel Alves Cruz, sds
SCE Equipe 7B - Jundiaí/SP

*Texto usado no Retiro Anual das ENS Jundiaí (14 a 16 de Setembro de 2012)

Nenhum comentário:

Postar um comentário